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“A medicina é uma ciência social e a política não é, senão, medicina em larga escala”

Rudolph Virchow, médico, patologista, biólogo, antropólogo, paleontólogo, etnólogo, arqueólogo, poliglota, escritor, editor e político alemão, 1821-1902

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Sinfonia Concertante #2 In B Flat For 2 Violins & Orchestra – Allegro Maestoso


Sinfonia Concertante #2 In B Flat For 2 Violins & Orchestra – Rondo (Allegro)

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Retrato de Rodolph Virchow efetuado por Hugo Vogel em 1861
Retrato de Rodolph Virchow efetuado por Hugo Vogel em 1861
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Aquele que é com toda a justiça considerado como uma das grandes figuras da Medicina de todos os tempos e fundador da anatomia patológica foi, reconhecidamente, um cultor da denominada “Medicina Social”, pois sempre mostrou um grande interesse pelas questões referentes às condicionantes daquela índole na saúde pública e a sua relação com as políticas para este setor, o que o terá levado a ser, durante mais de uma década, membro do Parlamento germânico e um dos opositores ao Chanceler Bismarck Ousou mesmo afronta-lo com grande coragem e determinação, tendo em diversas ocasiões assumido, inclusive, comportamentos que se podem classificar como próprios de um autêntico ativista político e revolucionário.

Contudo, não deixou de ser, não tão acertadamente, um opositor da teoria defendida por alguns dos seus famosos contemporâneos, tais como Pasteur e Koch, segundo a qual se preconizava deixar de atribuir à denominada “geração espontânea”, mas antes a uma origem microbiana, a causa de certas doenças nessa altura altamente prevalentes, e, desvalorizou, infelizmente, o decisivo impacto positivo que a promoção das primeiras medidas básicas de higiene hospitalar instituídas por Semmelweis e Lister tiveram na mortalidade das puérperas e dos doentes submetidos a intervenções cirúrgicas, pois acreditava genuinamente que os processos patológicos tinham antes origem nas disfunções internas das próprias células. Tal acontecia, na realidade, com as doenças do foro neoplásico (foi o primeiro a descrever a leucemia), mas essa teoria não se poderia, contudo, generalizar a todas as outras enfermidades.

Apesar destas controversas tomadas de posição, onde se inclui ainda o facto de se ter assumido como um convicto não seguidor da teoria evolucionista de Darwin que por esses tempos emergiu, marcou profundamente, de forma incontroversa, o pensamento médico e social da sua época e, deixou, para a posteridade, valioso legado. Foi Mestre de Mestres, tais como de William Osler, chegando inclusive a ser apelidado de “Papa da Medicina”. Pôde ainda defender, e bem, contra muitos outros cultores da pseudo-ciência denominada de “frenologia” e também do dito “darwinismo social”, posições anti-racistas, baseadas em aprofundados estudos de índole antropológica. Foi, por fim, um dos cultores do conceito presentemente tão em voga, de “One Medicine”, segundo o qual a verdadeira Medicina deve ser antes encarada como sendo uma só, englobando, pois, tanto a que se dirige especificamente à espécie Humana, quanto a veterinária. Também se lhe atribui, em parte, a paternidade do importante conceito de “zoonose”, tendo estudado afincadamente, entre outras helmintíases, a “Triquinelose”, então altamente endémica em toda a Europa.

São dele um conjunto notável de pensamentos reveladores de uma genuína sensibilidade para a problemática social já referida, que terá cimentado quando, ainda no início da sua carreira, foi destacado pelas autoridades prussianas para estudar e combater um surto epidémico de tifo que então grassava no seio da paupérrima população da Silésia. Talvez que a sua inicial vocação e interesse pela teologia, tenha, para isso, contribuído decisivamente, mesmo sabendo-se que mais tarde viria a tomar algumas posições inequivocamente anticlericais. Para além da citação referida em epígrafe, são exemplo eloquente dessa vincada postura, as seguintes afirmações: “a educação médica não existe tanto para providenciar aos estudantes um título académico, mas sobretudo para assegurar que a comunidade tenha saúde”, “os médicos são os naturais defensores dos pobres e os problemas decorrentes da sua precaridade social deverão ser, em grande medida, resolvidos por si”, ou “o bem estar, a educação e a liberdade têm uma interdependência entre si, tal como acontece com a fome, a ignorância e a escravidão”.

Embora toda esta problemática tenha que, obviamente, ser adequadamente contextualizada em função da realidade sociológica de cada época histórica, sabendo-se desde logo que dista mais de um século entre a altura em que aquelas afirmações foram proferidas e o presente, é bom não deixar de se reconhecer que o conceito de Estado Social, cuja viabilidade financeira tanto se discute hoje em dia, embora ainda de uma forma muito embrionária, remonta precisamente à época bismarckiana, em que o Reino da Prússia se investiu na pele do verdadeiro polo aglutinador do país que posteriormente se passou a chamar-se de Alemanha.

O que permanece atual no pensamento e nas expressões do grande médico alemão de origem pomerana, e quiçá terá presentemente assumido mesmo uma acuidade ainda maior, devido a vários fatores, desde logo a explosão demográfica, a consciência da finitude dos recursos naturais do nosso planeta, e tudo o que advém da degradação das condicionantes ambientais e das alterações climáticas, diz respeito à interdependência entre os fatores sociais e os resultados em saúde. Como assegurar que tudo o que a ciência comprova que pode ser útil a uma determinada doença que afeta uma dada pessoa, às vezes mesmo indispensável à preservação da sua própria vida, independentemente da condição social em apreço, chega a todo e qualquer cidadão, constitui hoje, provavelmente, o maior desafio das sociedades contemporâneas, no que concerne às políticas de saúde. Como garantir, então, o acesso generalizado e célere, à inovação terapêutica e tecnológica, é mesmo a questão fulcral! Será apenas um direito das elites com capacidade económica aquisitiva e influência política sub-reptícia junto dos decisores, ou deverá estar antes disponível, de modo independente da condição socioeconómica de cada um, conforme a indicação médica, baseada em critérios de mera adequação suportados por estudos clinico-científicos e epidemiológicos devidamente validados, eis o cerne deste dilema.

Em complemento, poderemos ainda acrescentar que este grande médico alemão foi senhor de um conhecimento verdadeiramente enciclopédico, dado ter-se interessado também por áreas do saber tão diferentes como a antropologia, a biologia, a teologia, a história e a literatura. É bem sabido que os especialistas nas áreas dos denominados meios auxiliares de diagnóstico não tratam diretamente os doentes (com a exceção dos que se dedicam à aludida radiologia de intervenção ou, em certos casos, ao controlo da terapêutica anticoagulante) e muitas vezes não têm mesmo qualquer contacto direto com a pessoa do doente (com exceção do momento em que realizam ecografias ou punções aspirativas). Os resultados dos seus relatórios carecem muitas vezes do acesso a uma informação clínica precisa e a uma justificação adequadamente coerente em função da listagem de diagnósticos formulada a partir do raciocínio clínico prévio e da experiência profissional dos médicos que os requisitam. Não raramente, só o contacto direto e a saudável discussão entre pares com o médico requisitante, designadamente em situações de urgência médica ou cirúrgica, permite chegar a uma conclusão bem sustentada.

Que fariam os restantes especialistas sem a sua decisiva colaboração? Que seria dos doentes? São, por tudo isto, tão médicos como os restantes clínicos que fazem anamneses, que apuram os determinantes familiares e epidemiológicos, que interpretam os dados semiológicos da exploração física do paciente e que prescrevem as terapêuticas que consideram mais adequadas. Rudolph Virchow, não só tinha essa visão correta da (verdadeira) Medicina, como foi também um notável cultor da importância vital desempenhada pela saúde pública, pois teve a perspicácia e a inteligência necessárias para entender que existe uma grande interdependência entre os resultados das políticas em saúde e as condições socioeconómicas das pessoas, das famílias e das populações, muito para além daquilo que a ciência médica, em sentido estrito, tem capacidade de oferecer.

O quadro, denominado de “O remédio”, da autoria do pintor português José Malhoa, que integrou o celebérrimo “Grupo do Leão” e que incluiu outros grandes pintores que marcaram indelevelmente a história da pintura portuguesa na transição do sec. XIX para o sec. XX, altura em que o prestígio de Rodolph Virchow estaria no seu apogeu, alude precisamente para uma interpelante temática. Trata-se, concretamente, da acessibilidade aos cuidados de saúde por parte das populações que têm problemas decorrentes de condicionalismos geográficas relacionados com o local onde vivem. Realidades como a interioridade territorial, a insularidade, a exiguidade dos transportes públicos disponíveis ou o desfasamento entre os seus horários e os dos locais onde se prestam os cuidados de saúde necessários, a desertificação progressiva de algumas regiões, o encerramento pernicioso de certos equipamentos sociais básicos, a carência em profissionais de saúde e a sua desproporcional distribuição em função das necessidades assistenciais efetivas das populações e em conformidade às suas caraterísticas demográficas, a par de outros problemas como a desertificação humana e envelhecimento das populações, podem condicionar bastante a equidade que está prevista, quer pela Constituição do nosso país, quer pelo programa político da generalidade dos partidos políticos nacionais, e mesmo do dos próprios governos que têm assumido sucessivamente funções desde que a Democracia foi implantada entre nós, mas que, na realidade concreta de significativas franjas populacionais, se trata apenas de um vago conceito teórico ainda muito longe de estar aplicado, logo, um desígnio civilizacional ainda por cumprir.

Nestes contextos, o médico assistente, sobretudo, o generalista ou médico de família, tem de ser muito mais do que um competente técnico de saúde. É o confidente, o conselheiro, o amigo, porque passou a ser tomado como a grande referência de vida dos mais despojados e frágeis de todos os cidadãos. E, isso, não deveria, nunca, ser ignorado pelos decisores políticos. Porque o conceito de uma verdadeira sociedade solidária não pode ser vão de sentido, nem se cingir apenas às boas intenções repetidas sem alma, apenas porque o calendário eleitoral a isso os obriga.

Retomando, por fim, o sentido último da frase que escolhi para comentar, parafraseando Virchow, se a Política se regesse mesmo pelas regras da Medicina, e não o inverso, como é o caso vigente, certamente que estes candentes problemas teriam uma solução mais satisfatória para os doentes e para os profissionais. Ou não?!…

“O Remédio” do sec. XIX, por José Malhoa, 1855-1933

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